terça-feira, 30 de junho de 2009

A construção histórica do consumo e a gênese do capitalismo brasileiro

O consumo de produtos falsificados, muito presente nos dias que correm, não é uma prática específica do capitalismo contemporâneo. No caso brasileiro, o fenômeno tem suas raízes fixadas no início do processo de formação desse sistema, que seu deu entre o final do século 19 e começo do século 20. Já naquela época, as classes que não tinham acesso aos artigos sofisticados vindos da Europa, primazia das famílias produtoras de café e de alguns comerciantes em ascensão, recorriam às imitações. “Como a industrialização brasileira foi tardia, por volta dos anos 70, a falsificação foi um dos elementos que contribuíram para dar impulso à dinâmica própria do capitalismo, que diferencia e massifica a um só tempo”, explica a economista Milena Fernandes de Oliveira, autora da tese de doutorado “Consumo e Cultura Material, São Paulo, Belle Époque (1890-1915)”, apresentada recentemente no Instituto de Economia (IE) da Unicamp”. O trabalho foi orientado pelo professor Fernando Antonio Novais.

Em sua pesquisa, Milena buscou compreender a questão do consumo a partir de sua construção histórica. De acordo com ela, o tema constitui um importante instrumento para o melhor entendimento do capitalismo e da sua dinâmica. “A conexão entre as dimensões econômica e cultural permite a interpretação dos conflitos de classe para além da esfera da produção, o que amplia as possibilidades de estudo do materialismo histórico”, detalha. A pesquisadora informa que o marco do processo de formação do capitalismo brasileiro foi a abolição da escravatura e a consequente adoção do trabalho livre, processo este que teve em São Paulo seu carro-chefe. O período coincidiu com a incipiente acumulação capitalista, que se manifestou na forma de administrar a propriedade agrícola, no desenvolvimento de atividade bancária urbana, no nascimento da indústria e na própria dinâmica de consumo. “Foram os primeiros indícios de uma sociedade capitalista nascente”, afirma a economista.

Avenida Paulista no início do século 20: grandes vias eram versões locais dos bulevares parisienses (Foto: Reproducao) É a partir desse novo cenário, prossegue Milena, que surgem conflitos de classe que podem ser captados pela dinâmica de consumo. As famílias oriundas da riqueza cafeeira tinham um padrão de aquisição de bens materiais e culturais considerados sofisticados, fundado no modelo europeu, mais especificamente o francês. A cultura das lojas de departamentos e os romances de Gustave Flaubert, por exemplo, eram introduzidos no país por meio daqueles que viajavam à Europa, seja a passeio, seja a estudo ou trabalho. Subjacente a esse comportamento estava a intenção de ratificar uma posição social. Ao mesmo tempo, uma elite ascendente, formada por comerciantes de sucesso, aspirava ter acesso aos mesmos produtos. “Os documentos que analisei, principalmente no acervo dos Arquivos de Paris, revelam que a burguesia tradicional desprezava essa classe emergente, por considerá-la menos preparada e educada”, informa a autora da tese.

Nesse sentido, os grupos mais abastados procuravam se distinguir dos demais não somente pelo produto consumido, mas também pelo capital cultural acumulado. Isso ficava especialmente claro no ambiente da Ópera. De acordo com os representantes dessa “aristocracia”, os integrantes dos segmentos em ascensão não tinham cultura e educação suficientes para entender o que se passava durante o espetáculo, e somente frequentavam o teatro para tentar demonstrar um status que de fato não detinham. “Em uma revista que analisei, datada da década de 20, havia uma clara crítica aos ‘esnobes’ que iam à Ópera, mas que não compreendiam nada do que estava sendo representado no palco. Eram chamados pelo autor do artigo de ‘esnobes profissionais’”, conta Milena.

Paralela a essa situação, conforme a pesquisadora, havia também o desejo de consumo por parte dos segmentos ainda menos abastados. Como a base produtiva nacional, que ainda era incipiente, não tinha capacidade para atender à crescente demanda, aconteceu inicialmente a diferenciação para apenas posteriormente ocorrer a generalização desse mesmo consumo. “Num primeiro momento, a burguesia tradicional deu sequência ao seu padrão de aquisição de bens baseado no modelo europeu. O que nós chamaríamos hoje de classe média foi atendida, em parte, pela indústria nacional, que produzia artigos mais simples, como tecidos, pentes, chapéus, bolsas e luvas. Já os segmentos mais pobres passaram a recorrer às falsificações, também como forma de afirmação de uma identidade. Aliás, a chamada pirataria é intrínseca ao capitalismo. Tanto no passado quanto hoje ela é uma forma de generalização espúria do que é particular”, analisa.

Anúncios de produtos revelam mudanças na dinâmica de consumo (Foto: Reproducao)Esse processo de contrafação como suporte de generalização de padrões, continua Milena, incomodou os franceses, importantes parceiros comerciais do país, principalmente no setor de bens de luxo. Vários dos produtos exportados por eles passaram, então, a concorrer com imitações nacionais, obviamente mais baratas. Por essa época, assinala a economista, existiam marcos legais relacionados às importações. Ela diz, porém, não ter conseguido identificar uma clara preocupação das autoridades brasileiras em defender a indústria nacional. “Alguns produtos considerados supérfluos, como bebidas e cigarros, passaram a ser taxados, mas isso nem de longe representava uma iniciativa ligada a um projeto nacionalista, como o que viria a ser implantado posteriormente no governo Vargas”, esclarece.

Anúncios de produtos revelam mudanças na dinâmica de consumo (Foto: Reproducao)Alguns comportamentos presentes na formação do capitalismo no Brasil, reforça a autora da tese, continuam orientando até hoje hábitos de consumo que são representativos, em alguma medida, do fenômeno de construção e reconstrução de hierarquias. A aquisição de produtos falsificados é apenas um deles. Outro é a aquisição por parte de trabalhadores, ainda que de forma árdua, de símbolos de status. “O piano é um símbolo claro para o século XIX. Um funcionário público da época, um trabalhador de recursos médios, segundo Jorge Americano, economizava a vida toda para comprar um piano para uma filha que logo casaria e, então, deixaria o piano de lado. O consumo funcionava, dessa forma, como uma ponte entre a base material e a cultura”, aponta Milena.

Ademais, completa a economista, o consumo também esteve ligado desde sempre ao conceito de modernização. Associado ao processo de urbanização, o consumo se reportou a um modo de vida cosmopolita, relacionado por sua vez à forma como alguns segmentos entendiam a modernidade naquele momento. Inicialmente, as famílias ruralistas mantinham casas na cidade apenas para passar breves temporadas. Com o passar do tempo, elas foram se mudando definitivamente para a área urbana, em busca de luxo, comodidade e uma vida cultural mais atrelada à Europa. “Foi nesse contexto que foram formados, por exemplo, os bairros paulistanos de Campos Elíseos, Higienópolis e Santa Cecília. Em meio à transformação cultural em curso e à expansão das ideias cosmopolitas, também foram abertas as ‘grandes avenidas’, versões locais dos bulevares parisienses”.

Retirado do Jornal da Unicamp

quinta-feira, 11 de junho de 2009

O QUE É ICONOCLASH? OU, HÁ UM MUNDO ALÉM DAS GUERRAS DE IMAGEM?

Bruno Latour reúne imagens da exposição sobre a qual ele escreve no texto da Horizontes Antropológicos (disponível no link abaixo). O mais interessante dessa apresentação é que cada imagem é acompanhada por um áudio em que explica a imagem em inglês. Vale a pena conferir o texto e a apresentação.

Texto: O que é um Iconoclash

Apresentação: Iconoclash